Alguns meses atrás, durante uma auditoria de manutenção da ISO 45001, me deparei com uma situação que me obrigou a registrar uma não conformidade. Diversos processos da organização eram terceirizados, e, ao entrevistar alguns desses trabalhadores terceirizados, identifiquei lesões visíveis em seus membros superiores, aparentemente relacionadas às atividades que desempenhavam. Para minha surpresa, não havia nenhum registro dessas ocorrências no sistema de gestão. Quando questionei o motivo, a resposta foi que os terceiros estavam fora do escopo da ISO 45001.
Essa situação levanta uma dúvida comum: “posso excluir os terceiros residentes do meu escopo da ISO45001?” Neste artigo, pretendo explorar as justificativas que embasaram minha decisão de registrar a não conformidade, além de esclarecer como a norma aborda o envolvimento de terceiros e as responsabilidades da organização nesse contexto.
O que as normas e leis nos dizem?
Segundo a NR 1, trabalhador é a pessoa física inserida em uma relação de trabalho, inclusive de natureza administrativa, como os empregados e outros sem vínculo de emprego. Ou seja, isso inclui trabalhadores terceirizados, sejam eles temporários ou permanentes (residentes). A norma não faz distinção entre empregados diretos e terceiros no que diz respeito às obrigações de proteção e prevenção contra riscos ocupacionais.
Para a ISO45001:
3.3
trabalhador
pessoa que realiza o trabalho ou atividades relacionadas ao trabalho que estão sob o controle da organização (3.1)
Nota 1 de entrada: Pessoas que realizam trabalhos ou atividades relacionadas ao trabalho, de acordo com vários procedimentos, pagos ou não pagos, como de forma regular ou temporária, intermitente ou sazonalmente, casualmente ou a tempo parcial.
Nota 2 de entrada: Os trabalhadores incluem a Alta Direção (3.12), pessoas de nível gerencial e não gerencial.
Nota 3 de entrada: O trabalho ou as atividades relacionadas ao trabalho, executadas sob o controle da organização, podem ser realizados por trabalhadores empregados pela organização, trabalhadores de fornecedores externos, contratados, indivíduos, trabalhadores de agências e outras pessoas, na medida em que a organização compartilha o controle de seu trabalho ou atividades relacionadas ao trabalho, de acordo com o contexto da organização.
Já a ISO 45001:2018 em 4.3.d estabelece que:
“O sistema de gestão de SSO deve incluir as atividades, produtos e serviços sobre os quais a organização tem controle ou influência, que podem impactar o desempenho de SSO da organização. “
A ISO 45001:2018 aborda mais detalhadamente o item em A.4.3 onde explica que uma organização tem liberdade e flexibilidade para estabelecer os limites e a aplicabilidade do sistema de gestão de SSO e que o limite e a aplicabilidade podem incluir toda a organização, ou parte(s) específica(s) da organização, desde que a Alta Direção desta parte da organização tenha suas próprias funções, responsabilidades e autoridades para estabelecer um sistema de gestão de SSO. No entanto, estabelece a ressalva de que a credibilidade do sistema de gestão de SSO da organização depende da escolha dos limites, alertando ainda que seria conveniente que o escopo não fosse utilizado para excluir atividades, produtos e serviços que impactam ou poderiam impactar o desempenho de SSO da organização, ou burlar seus requisitos legais ou outros requisitos. Assim sendo, o escopo deve ser uma declaração factual e representativa das operações da organização incluídas em seus limites do sistema de gestão de SSO que não convém que induzam a erro as partes interessadas.
Ainda é importante lembrar que a ISO45001 fala em seu item 8.1.4.3 exclusivamente sobre Terceirização, o qual estabelece que a organização deve garantir que funções e processos terceirizados sejam controlados. Deve-se assegurar que seus procedimentos de terceirização sejam consistentes com os requisitos legais e outros requisitos, e com o atingimento dos resultados pretendidos do sistema. O tipo e o grau de controle a serem aplicados a estas funções e processos devem ser estabelecidos no sistema de gestão.
Não menos importante, é imprescindível a consideração da legislação brasileira:
- Responsabilidade Solidária/Subsidiária: Conforme o artigo 5º-A da Lei nº 6.019/1974 (modificada pela Lei da Terceirização – Lei nº 13.429/2017):
- 3oÉ responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato. (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)
- Art. 455 da CLT:
- Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.
- Súmula 331 do TST: Determina que, em casos de terceirização, a responsabilidade subsidiária pode ser atribuída à empresa contratante quando esta não fiscaliza as condições de trabalho.
- Código Civil Brasileiro (e):
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- Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. (Vide ADI nº 7055) (Vide ADI nº 6792)
- Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (Vide ADI nº 7055) (Vide ADI nº 6792)
- Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. (Vide ADI nº 7055) (Vide ADI nº 6792)
- 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
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- Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
- III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
Embora o artigo 932 não mencione diretamente trabalhadores terceirizados, ele pode ser aplicado indiretamente em algumas circunstâncias, desde que:
- O terceirizado atue como preposto do contratante (realizando atividades diretamente relacionadas ao interesse da contratante).
- A contratante tenha exercido algum grau de direção, supervisão ou controle sobre o trabalho realizado.
A decisão de excluir os trabalhadores terceirizados residentes do seu sistema de gestão de SSO não deve ser tomada de forma leviana. Considerando as diretrizes da NR 1 e da ISO 45001:2018 e legislação, é fundamental que toda exclusão seja fundamentada em uma análise de riscos e impactos rigorosa. A empresa deve garantir que todas as medidas de segurança e saúde ocupacional sejam aplicáveis e eficazes para todos os trabalhadores, independentemente de seu vínculo com a organização. Portanto, a exclusão só deve ocorrer em situações onde a não aplicabilidade seja claramente justificada e documentada, assegurando que a integridade do sistema de gestão de SSO não seja comprometida.
Rogério A. F. Duarte – nov/24